Mãe, estou com 20 reais. Posso comprar açaí?

Um beijo, um abraço, um pedido de benção, um afago qualquer do filho único. Marília Barros, mãe de Arthur, viu a vida lhe arrancar tudo isso em 8 de fevereiro de 2019. O menino, então com 14 anos, foi uma das vítimas do incêndio num alojamento do Ninho do Urubu. Nesse período de um ano, o luto se misturou a lembranças de momentos marcantes na relação com o jovem e promissor zagueiro das categorias de base do Flamengo.

O pedido, terno, um tanto quanto ingênuo, reflexo do respeito, dedicação e atenção do filho, moldou a última conversa entre os dois, na véspera do acidente no centro de treinamento do Flamengo, na zona oeste do Rio. Marília segura o choro ao se recordar daquele telefonema.

Horas depois, alertada por um primo que passou cedo em sua casa, começava o desespero e a saga de Marília. Primeiro, atrás de informações. Depois, em busca de um sentido de vida.

“Eu estava no banho, eram 7h30, e um primo veio até a minha casa. Achei estranho a presença dele naquele horário. Foi quando ele me perguntou: ‘Você está sabendo? Houve um incêndio no Ninho do Urubu'”.

“Eu disse que não sabia de nada. Fiquei nervosa, peguei o celular. ‘Vou ligar pro Arthur’. Mas nada. A ligação não completava. Logo imaginei que haviam cortado a energia e o celular dele estava

Naquele instante, já tomada pelo impulso de obter logo um contato com o filho, de ouvir a voz dele para se acalmar, Marília começou a se arrumar para seguir imediatamente ao Ninho. Ela mora em Volta Redonda, a 126 quilômetros da capital. Fez contato por meio de um grupo no whatsapp com pais e mães de outros meninos da base do Flamengo e percebeu que todos estavam também desorientados.

Alguns parentes e amigos se juntaram em dois carros a partiram para o Rio. Numa rápida parada num posto de gasolina, na Via Dutra, um outro primo que estava no veículo da frente, aproximou-se de Marília e comentou, consternado. “Poxa, logo o Arthur, né?”

“Ele achava que eu já sabia. Ali eu desabei. Não há palavras que descrevam aquele sentimento, aquele vazio. Chegamos ao Ninho, naquela confusão toda. Era só o início de um pesadelo sem fim”.

Um dia após a tragédia, em 9 de fevereiro de 2019, Arthur completaria 15 anos. A festinha para os amigos já estava programada havia algumas semanas. Ele e Marília prepararam a lista de convidados, incluindo vários amigos de Arthur da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no bairro Aterrado, de Volta Redonda. Doces, salgadinhos e bolo encomendados. A reunião seria na casa da família – simples, mas acolhedora.

Ali na igreja frequentada por Marília, ele foi batizado e fez primeira comunhão. Até hoje, nesses 12 meses de ausência, Arthur permanece vivo nas orações da mãe e de seus grupos de amigas da paróquia. A deferência vem também de desconhecidos.

– Dona Marília, é a senhora?

 Sim, sou eu.

– Nossa, vai fazer um ano do nosso menino, né?

O diálogo acima se deu em janeiro deste ano, durante missa na Nossa Senhora das Graças. A fiel que abordou Marília não a conhecia pessoalmente, tampouco a Arthur. Diante da confirmação de que falava com a mãe do garoto, chorou compulsivamente.

“Eu tive de confortá-la”.

A dor de Marília e dos demais parentes de Arthur – ele perdeu o pai quando tinha 5 anos – não é mensurável e ainda se agrava em razão do impasse com a diretoria do Flamengo por conta do valor da indenização. A escolha de um caminho a seguir depois de tamanho baque também é algo imprevisível e depende de inúmeros fatores.

No caso de Marília, falou mais alto a fé em Deus. Na noite de quarta-feira, quando a reportagem do Terra chegou à sua casa, ela estava rezando o terço com a irmã Marilza. Faz isso todos os dias. Tem convicção de que um dia haverá o reencontro com o filho.

“Tenho certeza de que ele está num lugar de paz, muito bem. O Arthur era humilde, dava ou emprestava suas melhores roupas para amigos. Era amoroso. Está olhando por nós, eu sei disso”.

O menino de 14 anos sonhava em ser jogador de futebol e estava feliz no Flamengo, embora o Atlético-MG e o Vasco o quisessem. O clube dava-lhe uma ajuda mensal de cerca de R$ 500; ele já tinha até sido convocado para a Seleção Brasileira Sub-15 e parecia afinado com um futuro de muitas conquistas no esporte e na vida pessoal.

Ganhou o nome de Arthur por causa da admiração de seus pais pelo maior craque do Flamengo, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, de quem a mãe recebeu um telefonema dois dias após a tragédia.

Em sua rotina de dona de casa e funcionária pública da prefeitura de Volta Redonda, na área da Saúde, Marília decidiu se manter de pé e assim homenagear o filho. De vez em quando dá seu testemunho de fé em palestras e encontros religiosos. Em novembro, esteve na cidade vizinha de Barra Mansa para falar com um grupo aproximado de 65 jovens, quase todos da mesma faixa etária de Arthur.

Endossou ali sua fé em Deus, disse que a vida só tem sentido quando um auxilia o outro. Reforçou a importância da caridade, da tolerância e da fraternidade. Por fim, lembrou das três “palavras mágicas” que ensinou a Arthur.


“Às vezes, ele me perguntava: ‘mãe, quais são mesmo aquelas três palavras’? Eu então, com calma, repetia: fé, sabedoria e gratidão. Sem fé a gente não é nada; sem sabedoria, não cresce; sem gratidão, cultiva o egoísmo”.

ontou isso à plateia em Barra Mansa e, ao final da reunião, se viu cercada por todos aqueles jovens. Eles vinham abraçá-la, beijá-la, não queriam que ela fosse embora; choravam aos prantos, agarravam-lhe pela cintura.

“Dias depois, eu soube que uma das meninas ali presente se reconciliou com os pais e com o tio, com quem estava brigada, por causa do que ouviu na minha palestra. Quero agir assim, ajudando o próximo. Onde estiver, o Arthur vai ter orgulho da mãe dele”.

Fonte: Lance