Atualmente, o remdesivir é administrado por via intravenosa, o que restringe seu uso às condições hospitalares

A biofarmacêutica americana Gilead Sciences em breve começará os testes de uma versão inalável do remdesivir, medicamento antiviral que nos primeiros testes se mostrou promissor no tratamento contra o coronavírus, de acordo com comunicado divulgado segunda-feira.

Atualmente, o remdesivir é administrado por via intravenosa, o que restringe seu uso às condições hospitalares. “Esta tem sido a limitação” do medicamento, disse a Dra. Mangala Narasimhan, pneumologista e diretora regional de medicina intensiva da Northwell Health.

A versão inalável do tratamento da Gilead seria administrada através de um nebulizador, um dispositivo que envia uma névoa de líquido terapêutico para as vias aéreas e muitas vezes é utilizado por pacientes com asma. Alguns nebulizadores são portáteis. Os cientistas da Gilead esperam que o tratamento mais conveniente seja usado por pacientes em vários estágios da infecção.

Os nebulizadores “geralmente são mais acessíveis” que os equipamentos intravenosos, disse Angela Rasmussen, virologista da Universidade de Columbia. “Praticamente toda clínica ambulatorial de atendimento de urgência os possui. Você pode tratar no próprio local alguém que tenha testado positivo” para o coronavírus, “mas que talvez não apresente sintomas”.

O remdesivir, que interfere na replicação do vírus, é o primeiro medicamento antiviral a mostrar eficácia contra o coronavírus em testes com humanos. A droga recebeu a Autorização de Uso de Emergência pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos em 1º de maio, permitindo que os médicos usem o medicamento por via intravenosa em pacientes hospitalizados com diagnóstico confirmado de covid-19. Essa autorização, no entanto, não constitui aprovação formal para os medicamentos. A segurança e a eficácia do remdesivir ainda estão sendo investigadas em vários testes clínicos.

Em um estudo publicado em maio no New England Journal of Medicine, o remdesivir mostrou efeitos modestos, reduzindo o tempo médio de recuperação de 15 para 11 dias em pacientes hospitalizados com o coronavírus. Mas os efeitos sobre a mortalidade foram insignificantes.

Alimentada por esses primeiros resultados, a Gilead Sciences espera que a versão inalável do remdesivir ajude a “conter a maré da pandemia”, disse Daniel O’Day, presidente e diretor executivo da Gilead, em comunicado nesta segunda-feira. A partir desta semana, voluntários saudáveis serão selecionados para participar dos testes da Fase I, que verificarão a segurança da droga. Os pacientes com covid-19 devem entrar nos testes já em agosto.

A conveniência do uso pode acabar sendo crucial para aumentar os efeitos do remdesivir, disse Rasmussen. O medicamento pode ser menos eficaz quando administrado tardiamente, depois que o paciente já procurou tratamento para sintomas graves. Mas, em circunstâncias ideais, doses precoces de remdesivir podem cortar a doença pela raiz.

Geralmente se considera que os antivirais são mais eficazes no início da infecção, antes que o patógeno possa se estabelecer dentro do corpo e disparar alguns dos aspectos mais graves e perigosos da doença. A resposta imune ao coronavírus pode ser excessiva, fazendo com que a mobilização para eliminar o invasor infeccioso acabe saindo de controle e destruindo tecidos saudáveis na tentativa de proteger o corpo. “Se você conseguir se livrar do vírus antes que ele desenvolva esses sintomas, provavelmente terá melhores resultados clínicos em muitos pacientes”, disse Rasmussen.

Ainda assim, não há garantia de que o remdesivir inalado seja uma grande melhoria em relação à sua forma injetável, nem mesmo que esteja no mesmo nível de eficácia. Narasimhan observou que será crucial monitorar quão bem e quão rápido a droga será absorvida pelas partes do corpo que mais precisam. Os testes provavelmente exigirão que os pesquisadores mexam em fatores como a dosagem, especialmente em pacientes com pulmões afetados.

De modo geral, os nebulizadores são “bem tolerados” pelos pacientes, até mesmo por aqueles com doenças respiratórias crônicas, como a asma, disse Narasimhan. Mas eles podem irritar as vias aéreas de algumas pessoas ou fazer os pacientes tossirem. Muitos médicos têm evitado esses dispositivos, temendo que eles possam espalhar partículas virais que saem das vias aéreas de pacientes infectados para o ar circundante, acrescentou ela.

“Isso traz muitos problemas”, disse Narasimhan. “Podemos usar os nebulizadores com segurança? Em que cenário? Precisamos isolar os pacientes? Teríamos que descobrir uma maneira de fazer tudo isso com segurança”.

O Dr. Louis DePalo, pneumologista da Mount Sinai’s Icahn School of Medicine, observou que as terapias com remdesivir inalado são “um objetivo que vale a pena, mas cheio de problemas”. Tratamentos anteriores que tentaram a alternativa da inalação, incluindo alguns de terapia genética ou insulina, já falharam. O remdesivir também pode ser tóxico se administrado incorretamente.

No comunicado, a Gilead também anunciou planos para fabricar mais 2 milhões de kits de tratamento com remdesivir até o final do ano. A empresa também espera combinar o antiviral com outros medicamentos que podem modular o sistema imunológico, o qual, nas fases posteriores da infecção, parece ser responsável por muitos dos efeitos nocivos da covid-19. Entre esse grupo de tratamentos direcionados à imunidade estão os esteroides, como a dexametasona, que reduziu as mortes entre um grupo de pacientes que sofrem de quadros graves de covid-19.

Fonte: Estadão