Oldair Rossi (União) foi penalizado com 76 dias sem remuneração, assim como sua equipe de gabinete, depois de se envolver em uma confusão na UPA do município

Após ser acusado de coação a uma médica na UPA de Guarapari, o vereador Oldair Rossi (União) foi suspenso pela Câmara Municipal por 76 dias e, ao longo desse período, vai ficar sem receber salário de R$ 15 mil. A penalidade foi proposta pela Corregedoria do Legislativo da cidade e acatada por 14 dos parlamentares presentes à sessão na tarde desta quinta-feira (16). A punição afeta também a equipe de gabinete.

A suspensão temporária é resultado do processo administrativo ético-disciplinar instaurado em setembro contra o vereador, cujo comportamento foi considerado incompatível com a dignidade do cargo e o decoro parlamentar, segundo o Código de Ética da Câmara Municipal, instituído há menos de um mês. A conduta de Oldair em relação à médica Maria Júlia Ferraz foi apontada como discriminatória em razão de gênero, prática classificada como infração nas novas normas da Casa. 

Durante o período de suspensão do mandato, conforme estabelecido pela Câmara, Oldair Rossi ficará impedido de exercer todas as prerrogativas e funções inerentes ao mandato parlamentar, ressalvado o direito de acompanhamento dos atos de caráter público.

Pelo que está previsto no Código de Ética, a suspensão temporária do mandato implicará, igualmente, na interrupção das atividades do gabinete de Oldair Rossi. Assim, os assessores vinculados ao vereador também ficarão afastados de suas funções e, consequentemente, não vão receber o salário durante o período em que perdurar a penalidade.

O pedido de abertura do processo foi feito pela presidente da Casa, vereadora Sabrina Astori (PSB), logo após a criação da corregedoria-geral e da adoção do Código de Ética, que, até setembro, não existiam na estrutura da Câmara Municipal.

“A sociedade espera de nós postura e compromisso com a ética. O parlamento precisa ser exemplo de respeito e responsabilidade. O Código de Ética e a Corregedoria não podem ser apenas um texto no papel. Precisam ter aplicação prática”, disse Sabrina, à época da representação contra o colega. Na sessão desta quinta (16), ela não votou por ser a denunciante, assim como Oldair, alvo do processo. Dos 17 vereadores de Guarapari, apenas Tainá Coutinho (PRD) não esteve presente à votação. 

Antes da manifestação dos 14 vereadores que acataram a resolução pela suspensão do mandato de Oldair, o advogado Murilo Medeiros reforçou alguns pontos da defesa que havia apresentado à Corregedoria. Entre os argumentos, o fato de a investigação ter se baseado em links de reportagens, nos quais, segundo ele, não havia a íntegra do que, de fato, aconteceu na UPA de Guarapari. 

Medeiros ainda usou a tese de imunidade parlamentar, que garante a liberdade de expressão, defendendo a ideia de que Oldair está sendo acusado por atos da fiscalização que cabe a um vereador. Por fim, tentou argumentar que, por não ter qualquer antecedente, em caso de punição, deveria ser aplicado o período de suspensão mais próximo do mínimo previsto, de 30 dias. Nenhuma de suas alegações foi considerada e a votação da Casa resultou na suspensão, que passa a valer a partir da publicação da resolução. 

Oldair Rossi foi procurado pela reportagem de A Gazeta após a votação, mas ainda não se manifestou. O espaço segue aberto. 

Oldair Rossi, vereador de Guarapari

Oldair Rossi publicou um vídeo nas redes sociais se desculpando, após acusações Crédito: Facebook/Reprodução

Entenda o caso

A médica Maria Júlia Ferraz, de 24 anos, denunciou o vereador Oldair Rossi por coação durante um atendimento na UPA de Guarapari, no plantão de 24 de agosto. Áudios divulgados nas redes sociais pelo pai da profissional, o também médico Murilo Ferraz, mostram o parlamentar ameaçando a profissional e chegando a afirmar que daria voz de prisão a ela.

Nos registros, o vereador também faz comentários dizendo que a médica era “pequenininha” e que ela “não estava conversando com criancinha de sinal”. Em outro momento, bate na mesa e ameaça ligar para o 190.

O caso aconteceu durante o plantão da médica na unidade. O Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) relatou que a confusão começou após o atendimento a uma paciente que chegou à UPA com fortes dores. A médica que a atendeu seguiu todos os protocolos para esse tipo de caso. A paciente foi medicada para dor e, logo em seguida, passou por exames.

Após a realização dos exames, a paciente retornou ao consultório, mas a médica assistente estava em um intervalo de 20 minutos para jantar. Nesse momento, a paciente já não sentia dor e decidiu ir embora, mas foi contida pelo acompanhante, que acionou o vereador.

“Ele queria que a gente falasse com o vereador por telefone, o que a gente não pode fazer”, disse a médica. O CRM-ES explicou que isso acontece por conta da garantia de privacidade da paciente. O vereador, então, foi para a UPA e exigiu que a paciente fosse transferida para o hospital de referência de Guarapari.

Segundo a médica, antes mesmo da chegada do vereador, ela já tentava um leito pela Central de Vagas, caso fosse necessário um procedimento cirúrgico imediato na vesícula. Foi nesse momento que as agressões verbais começaram.

De acordo com Maria Júlia, o vereador desacatou a equipe médica, atrapalhou o atendimento de outros pacientes e ainda ameaçou mandar prendê-la. A Polícia Militar foi acionada e ouviu o depoimento de ambos.

Depois das acusações, o vereador Oldair Rossi publicou um vídeo nas redes sociais se desculpando. “Quero iniciar esse vídeo pedindo desculpas à doutora Maria Júlia, caso ela tenha se sentido diminuída, coagida ou menosprezada. Em nenhum momento quis causar qualquer mal-estar. Reconheço o seu trabalho e o trabalho de toda equipe da UPA. Não tenho dúvida de que estavam prestando o melhor serviço possível”, declarou.

“Naquele momento, não estava ali um político, mas sim um ser humano atendendo um pedido de socorro de uma mulher que por várias vezes procurou o atendimento e não foi solucionado seus problemas (sic). Preciso dizer também que há 9 meses, por negligência médica, perdi o meu irmão”, afirmou o vereador.

Repercussões

Na época, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES), Fernando Avelar Tonelli, disse que a instituição encaminhou um ofício à Câmara Municipal de Guarapari e ao Ministério Público solicitando providências contra o vereador Oldair Rossi.

“A sociedade capixaba e os gestores públicos não podem continuar aceitando e considerando como normais tais agressões contra médicos e outros profissionais da saúde. Os parlamentares não podem fiscalizar o trabalho médico. A fiscalização do atendimento médico é prerrogativa legal dos Conselhos Regionais de Medicina sob a coordenação do Conselho Federal de Medicina. A fiscalização parlamentar, que é importante, deve-se ater à gestão e a estrutura do serviço de saúde, como determina a legislação brasileira”, afirmou.

A Secretaria Municipal de Saúde também lamentou o episódio e informou que todas as medidas necessárias foram tomadas pela direção da unidade, garantindo suporte à profissional e a preservação do ambiente de atendimento. “É importante destacar que o Poder Executivo e o Poder Legislativo são independentes, cabendo a cada um responder por seus atos”, observou.

Já a Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo (OAB-ES) manifestou repúdio em relação ao ocorrido.

“Como noticiado, o referido vereador, com pretexto de ‘fiscalizar’ a Unidade de Pronto Atendimento – UPA, não apenas desacatou a médica, mas também utilizou termos ofensivos, de cunho misógino e machista, desqualificando-a pela idade e pela estatura física, chegando ao absurdo de afirmar ser ‘fiscal da lei’ e ameaçar prendê-la”, destacou.

Além disso, ressaltou que, em vez de se retratar, o parlamentar levou sua fala ao plenário da Câmara Municipal para difamar a médica.

Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça Criminal de Guarapari, também acompanha o caso. Após receber o ofício do CRM-ES e, a partir das informações apresentadas, requisitou diligências à delegacia do município para apuração dos fatos.

Fonte: A Gazeta